sábado, 28 de dezembro de 2013

mais cinco minutos

o tempo esvaiu-se pela janela
com a promessa de que seria leve
bem mais leve do que se tivéssemos
bem mais do que cinco minutos

A morte da louca

Mais um dia começava. Ela, desesperançada, levantou da cama e foi fazer o café da manhã, contemplando o céu, que nunca antes esteve tão limpo. Até as nuvens se esconderam da visão que seria proporcionada. Após comer, sentou e leu as notícias do dia. Nada interessante. Mortes já não causavam espanto. "Ora, a morte faz parte da vida, não é mesmo?" pensou. Foi para a janela, olhou para cima e notou o claro abandono dos corpos celestes. "Covardes.." resmungou. Olhou ao seu redor e mais uma vez disse para si mesma que o seu lugar não era ali. Todo o ambiente se perdeu nele mesmo, junto com a parede má pintada e a péssima fiação. Os móveis estavam ajeitados de modo particularmente confuso, como um labirinto. Achar a saída desse labirinto já estava fora de mão. Ela só queria ser livre. Todos os objetos da casa causavam nela uma ânsia, fadiga. Por um momento pensou que o problema estava com ela, uma paranoia passageira qualquer. Limpou toda a casa, mas não adiantava. A sujeira estava dentro dela. Foi aí que percebeu que nada que fizesse tiraria as manchas do seu interior. Precisava de ar fresco. Subiu no terraço o encarou o céu pela última vez. Olhou para baixo e viu a solução. Achara a saída do labirinto. Se jogou para fora do prédio e disse:"Perderei minha mente para libertar minha vida". Deixando de herança uma mancha rubra e espessa no chão.

domingo, 22 de dezembro de 2013

O quão horrível é desejar nunca ter amado.

Para o amor ser legitimado é necessário ser colocado em prática, mas se a prática fere a teoria, então não é mais fácil esquecer essa história? Estou me referindo ao amor bruto, sem ser polido em pedra. Os outros amores são mais fáceis de controlar.

Amar é acorrentar por querer - ou às vezes sem perceber - as memórias na pele. Algumas são leves como penas de cisne e fazem cócegas, já outras são pesadas feito chumbo e ferem até perfurar a carne. Essas que fazem você perceber que não está sozinho. Digo, você pode até querer se isolar, mas o olhar, cheiro e palavras da tal pessoa sempre estarão com você, querendo ou não, pregados nas suas pintas.

E agora? O que antes era um vazio no peito foi ocupado por chumaços de algodão banhados em álcool que arde e incomoda.

Não estou criminalizando o amor não, amar é bom quando é bom, mas é horrível como a parte mais amarga do pepino quando é ruim. Aí fico dentro desse paradoxo extremista: não amar e sentir o vazio no peito, porém conviver apaticamente com isso, ou amar e me arriscar a passar por momentos de euforia e felicidade sentadas dentro de um bolso cheio de balas e moedas e ao mesmo cair brutalmente do abismo e ficar disposta a aguentar os momentos tristes, melancólicos e desesperançosos na sarjeta, jogada no cimento frio, debruçada numa torneira velha e cinza que pinga pequenas gotículas sem parar e tortura até as mentes mais sãs.

As consequências do amor variam, depende de como você ama. Se ama com penas fazendo cócegas, então está tudo bem, sem riscos. Se ama com grades, vai ser complicado. Por último, se ama com chumaços de algodão banhados em álcool, vai passar por momentos extasiados e leve como uma nuvem doce, e outros querendo incendiar a si mesmo.

Tem gente que acha que amor é doença e vai amando cada vez mais.

desamar

se amor é sacrifício,
sacrifico-me a ponto de perder minha essência
e me amarro, inconsciente, a um modelo pronto
cujas exigências me transformam numa sombra
sem cheiro, cor e vontades

esse amor é uma gaiola de vista bonita,
aprisiona, sufoca e frustra qualquer possibilidade de libertação
mostrando sempre o mesmo horizonte
me convencendo de que é tudo que eu posso ter

se amar é ser dono de um corpo, uma alma
eu peço reintegração de posse de mim mesma
e rasgo o contrato que me obriga a internalizar
qualquer desejo e sentimento proibido

se amor é posse, sofrimento e repressão,
invento uma palavra que exprima o contrário
que signifique um sentir livre de qualquer convenção.

e, hoje, tudo que eu sinto é desamor. 

85 longos dias [hoje, 72]

o pierrot
quando não é carnaval
passa a semana servindo mesas
de um copo sujo no hipercentro da cidade
e o domingo na casa da avó
assistindo ao futebol

astronautas

viajante de tempo,
se tem tanto conhecimento
por que insiste em deixar este leito?

diga-me que o planeta não está fadado
ao fracasso que cada um carrega
por ter nascido injustamente
no ventre de uma Quimera.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

#1

ANA:
comum.
se virar do avesso, mais do mesmo.
tem pra lá, tem pra cá, tem debaixo da cama também.
dizem:
- cheia de graça!
mas que graça é essa tão monossilábica?
é assim, meio simples, meio tímido.
meio mineiro, mesmo que no rio de janeiro.
combina com tudo,
com música, com filme, com livro.
com clara e com caroline.
três letras que podem muito bem formar sinônimos de coisas como
- indecisão;
- elefante;
- astronautas;
- tarifa zero e
- alguns  sonhos.

ESTÔMAGO:
orgão digestivo.
armário de pensamentos, casa da ansiedade e chão de insegurança.
abrigo de borboletas e monstros.
quente e frio, áspero e úmido.
contém ácido colorido que é ora criativo, ora corrosivo.

às vezes cria vida e nos engole.


e aqui
de tudo um pouco.